Principialismo

Bem, para introduzir, vamos começar pelo surgimento do modelo do principialismo, que foi a primeira corrente bioética.

Em 1974 foi criada a comissão nacional para a proteção de participantes de pesquisas biomédicas e comportamentais pelo Congresso Norte-Americano. A preocupação surgiu com os escândalos do caso Tuskegee e especialmente com os experimentos da II Guerra Mundial que já foi citado neste blog. Como forma de buscar uma resolução foi publicado o relatório Belmont Report (publicado em 1978) que para formular suas proposições sobre bioética, considerou três princípios: o respeito à autonomia das pessoas, o princípio da beneficência e o princípio da justiça. Estes serão explicados mais a frente.

Em 1978, Tom Beauchamp e James Chidress, dos Estados Unidos, publicaram o livro Principles of Biomedical Ethics (Princípios da ética biomédica) que propunha o uso de 4 princípios para resolver os problemas bioéticos: o respeito à autonomia das pessoas, o princípio da beneficência, o princípio da justiça e como novidade, o princípio da não maleficência.

Mas para que todas estas informações?

Pois bem, a partir do relatório Belmont e do livro Principles of Biomedical, é que a primeira corrente bioética foi criada: o Principialismo.
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E o que seria esse tal de Principialismo?

O principialismo foi a primeira corrente bioética a se estruturar. Ele se baseia em quatro princípios básicos: o respeito à autonomia das pessoas, o princípio da beneficência, o princípio da justiça e o da não maleficência.

Mas o que seriam, de fato, esses 4 princípios?

Vamos lá…

1. Respeito à autonomia das pessoas: Determina que uma pessoa possui o direito de decidir o que é melhor para si, segundo suas próprias convicções. Ela se apoia na ideia de que o indivíduo pode ter desejos diferentes dos seus.

Para considerar uma ação como sendo autônoma, existem duas condições:

  • A capacidade de ação intencional: que é a vontade do indivíduo de realizar aquela ação tendo o entendimento sobre ela e suas possíveis consequências.
  • A liberdade de interferências: que é a não influência de fatores externos como ameaças e chantagens, na escolha do indivíduo.

Resumindo tudo isso… O princípio do respeito à autonomia das pessoas seria: Respeite o desejo da pessoa desde que ela tenha capacidade intelectual e emocional para analisar a situação e possa escolher livremente.

2. Princípio da Beneficência: Determina que sempre deve-se tomar atitudes visando o bem dos demais.

Resumindo… O princípio da beneficência ficaria assim: Faça o bem aos outros, independente do seu desejo.

3. Princípio da Justiça: Determina que os iguais devem ser tratados de forma igual e os diferentes devem ser tratados de forma diferente.

De forma mais extensa: a cada um de acordo com sua necessidade, a cada pessoa de acordo com o seu esforço, a cada pessoa de acordo com a sua contribuição, a cada pessoa de acordo com seu merecimento.

Desta forma por exemplo: Duas famílias precisam de dinheiro para tratar uma mesma doença, no entanto uma delas possui melhor condição financeira do que a outra. Sendo assim, para qual delas seria doada maior quantia? Segundo o princípio da justiça seria para aquela família de menor condição financeira, seguindo a ideia de “dar mais a quem tem menos”.

Resumindo… A ideia principal fica assim: compensar as desvantagens existentes a fim de atingir a melhor igualdade possível na sociedade.

4. Princípio da não maleficência: Foi originado na expressão “ primum non nocere “ (em primeiro lugar, não causar dano). O princípio afirma a obrigação de não causar dano intencional e desnecessário.

Resumindo… O princípio da não-maleficência fica da seguinte forma: Não cause danos aos outros.

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Dos princípios podem surgir regras como: não matar, dizer sempre a verdade, sempre obter consentimento do paciente, etc.

No entanto, entre os princípios não existe uma hierarquia pré-estabelecida, ou seja, não existe uma ordem de importância entre eles.

Desta forma, o que fazer se os princípios forem conflitantes???

A abordagem do balanceamento é a mais usada, por ser mais flexível e por isso mais aplicável em situações complexas. Balancear nesse caso, seria definir qual princípio tem maior prioridade na situação existente.

Obs.: Muitos autores consideram que em caso de conflitos entre os princípios, a não maleficência deve ser escolhida para resolver o problema.

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O principialismo teve sucesso?

Com certeza o principialismo é o modelo mais usado no Brasil e no mundo, porém o sucesso de sua aplicação leva muitas pessoas a confundir bioética e principialismo como sinônimos. Apesar da sua grande importância para a bioética ele é apenas uma parte dela.

É aí que vem uma pergunta, esse modelo é aceito por todos? Não tem críticas à ele?

Pois bem, justamente a falta de hierarquia entre os princípios é a grande crítica feita ao modelo, pois ela causa conflitos e competições no momento das decisões. Como diria o filósofo Danner Clouser, 1990:

“Uma vez não estabelecida a inter-relação e a hierarquização entres os princípios, eles competiriam entre si e falhariam como instrumentos de mediação para os conflitos morais”

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Para refletir…

Você deve estar se perguntando, “mas e aí, para que serve isso tudo? Como será a aplicação desse modelo?

Bem imagine os seguintes casos:

1. Uma garota apresenta um quadro grave de alergia e seu namorado deseja leva-la ao hospital, mas ela diz que não quer, que vai melhorar em casa. O que deve ser mais importante nessa situação? Respeitar a autonomia do indivíduo e não leva-la ao hospital, ou deve, em nome da beneficência, leva-la ao hospital, mesmo sem o seu consentimento?

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2. Um garoto ficou tetraplégico e deseja cometer a eutanásia, os seus pais muito abalados não concordam, e por isso ele faz um acordo com eles de esperar por dois anos pra experimentar como seria sua vida daquele jeito, e ver se mudava de ideia. Ao passar os dois anos, o garoto permanece com o mesmo desejo, justificando não ter motivos para viver daquele jeito, já que sempre passava mal e não tinha uma boa qualidade de vida. O que fazer? Respeitar a autonomia do indivíduo e permitir que ele realize a eutanásia, ou deve, em nome da não maleficência, proibi-lo de seguir com essa ação?

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3. Você ganhou na loteria e pretende doar uma parte do dinheiro para famílias que possuem indivíduos doentes e que o tratamento é muito caro. O que você faria? Usaria o princípio da justiça e doaria um pouquinho para várias famílias, o que não daria para nenhuma delas pagar todo o tratamento, ou usaria do princípio da beneficência e doaria grandes quantias a duas dessas famílias, de forma que o tratamento de ambas conseguiria ser completamente realizado?familia-feliz-familia-pintado-por-laila-1008300familia-unida-familia-pintado-por-jadenuvem-1048115

Vamos praticar?

Leia as seguintes charges, e tente identificar qual princípio está em conflito em cada situação!!

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Essa é uma situação comum. Ao analisar a charge acima, quais princípios você acha que estão sendo considerados? Usando o balanceamento, qual princípio você considera que deve ter  prioridade nessa situação?

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Essa é uma questão complexa, imagine que você seja o médico nesta situação, o que você faria? Quais princípios você acha que se enquadram nesta situação?

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7 comentários Adicione o seu

  1. Giovanna Vitória disse:

    Esse assunto é muito complexo mesmo. Cada pessoa tem sua forma de pensar, fazer suas próprias escolhas;ou seja, cada um tem sua autonomia. E esse tema foi muito bem explicitado no texto.

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    1. Pois é, Giovanna. O Principialismo afirma que se deve considerar as convicções do indivíduo, ou seja, a Autonomia, como você disse. Além disso, dita a importância de se avaliar outros parâmetros, como a Justiça, o dever de se fazer o bem, que é a Beneficência e também, a necessidade de não realizar o mal, a Não-Maleficência.

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  2. Na primeira tirinha, o que esta em conflito é o principio do Autonomia e da Maleficência. Onde a mulher possui autonomia de dizer o que ela acha ser o melhor para ela. Porem entra em conflito com a saúde do bebê. Penso que o principio que deve ter prioridade é relativo a situação. A mulher tem total direito de julgar não ser o melhor momento para ter o filho, e caso ter tal filho venha realmente trazer malefícios irreparáveis a vida dela, o principio da autonomia deveria ter prioridade. Porem em uma situação onde por exemplo, a mulher engravidou, e apenas percebeu tarde demais que ter o filho pode ser algo inconveniente, mas que ainda assim, com um esforço a mais ela pudesse sim ter tal filho, não é justificável ela realizar tal aborto apenas por que “não quer mais”.Já sobre a segunda tirinha, o que esta em conflito é o principio da Autonomia e da Beneficência. Onde o paciente e a família tem a autonomia de não optar pela transfusão. Porem o principio da beneficência diz que deve-se agir visando o bem do paciente. Penso que neste caso, como seguir o principio da autonomia apenas não ira trazer nenhum maleficio a ninguém, e apenas deixar de trazer um beneficio, a melhor resposta seria buscar uma opção alternativa a qual o paciente concorde. Caso não ache tal solução, deixar a cargo do paciente e da família. Informar os riscos de não realizar tal procedimento, e se ainda assim eles não aceitarem, o certo seria seguir o principio da autonomia. Pois caso contrario, estaria forçando o paciente a fazer algo o que ele não quer e não concorda.

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    1. Obrigada pela interação e reflexão Vinnícius!! Você conseguiu entender perfeitamente como funciona o Principialismo. A polêmica está justamente nestas situações em que os conflitos batem de frente, visto que eles não possuem uma hierarquia entre si. Nestas situações, o que os filósofos consideram mais correto é balancear os critérios, baseado no contexto, assim como você fez. No caso da mulher que está grávida, por exemplo, nem sempre um mesmo principio vai parecer mais adequado, visto que cada caso necessita de uma avaliação específica!

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  3. Emília Beraldini Ventura disse:

    Também considero esse assunto muito complexo, pois ao meu ponto de vista, tudo tem que ter um balanceamento e para tal, (buscar chegar a esse ponto de avaliar os aspectos conflitantes para se ter uma melhor solução (para “n” questões por exemplo)) é muito difícil, pois têm-se que agir de forma prudente e com bom senso, procurando compreender o dualismo das coisas e das ações.

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    1. É verdade,Emília! Mesmo com a aplicação de um modelo ético para tentar solucionar um problema, a solução pode, muitas vezes, ser bem complexa, e no momento de balancear, os aspectos conflitantes para uma pessoa podem ser diferentes na visão de outra pessoa. Como no caso da doação de sangue, por exemplo, em que o médico presa por salvar vidas e o paciente presa pela religião. A questão mais difícil é definir qual opinião será considerada.

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  4. Douglas disse:

    Nos dois casos estão presentes o conflito dos princípios da autonomia e beneficência. No primeiro caso, Considerando de forma sociológica, ambos os casos ia depender do que é previsto na legislação do país que isto estiver ocorrendo, pois se a Constituição, ou Norma legal legalizarem o direito requeiro pela autonomia das pessoas (aborto legal, e direito da religião), então deve ser feito segundo a vontade das pessoas. Contudo se não houver nada expresso, a vontade do médico é a que deve prevalecer.
    Mas na minha opinião todos os países tinham que ter legislações que garantissem a vida incólume. e no caso da testemunha de jeová, os médicos de acordo com as técnicas pensarem em todas as outras alternativas que fossem possíveis, ou eles terem um hospital próprio com médicos com esta visão para ficarem com suas consciência tranquilas que estão fazendo o melhor para o paciente.

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